2006/08/29

Quem sou eu?

Foi Kundera quem me chamou à atenção para este pensamento assustador: nós não somos quem nós próprios pensamos ser, mas sim aquilo que os outros pensam de nós.

Kundera descreveu esta realidade numa cena em que um moribundo paralisado, chorava no seu leito da morte, de raiva e de frustração enquanto a sua esposa o observava chorar o que julgava ser lágrimas de arrependimento. Para a sua mulher este homem seria sempre um homem que morreu arrependido do que fez e que no seu leito da morte chorou pedindo perdão pelos erros que cometeu. Será assim que ele será lembrado. De nada serve ao moribundo pensar o contrário pois, lamentavelmente, não poderá nunca desdizê-lo.

Esta cena arrepiou-me. Faz-me pensar que eu, que faço por ser uma pessoa simpática, um gajo normalmente bem disposto e brincalhão, disposto a ajudar o próximo, alguém que age pelas convicções que tem mas não tem problemas em admitir os seus erros nem em pedir desculpa... Eu, dizia, se hoje me acontecesse alguma coisa, posso ficar na mente de alguém (ou até de muitos) como um rabujento, mal disposto, parvo, teimoso, etc., porque na verdade eu não posso controlar o que os outros pensam de mim.

Quantas vezes não acontece eu dizer algo a brincar e ser mal entendido?
Quantas vezes eu entro em discussões sem fim apenas por defender as minhas ideias até que me façam ver que estou errado?

Lembro-me que foi nos primeiros anos do ISEL que delineei para mim um "profile", uma maneira de ser que me agradava. Sempre gostei de fazer os outros rir. O riso dos outros é dos sons que mais me enchem o coração. E nessa altura encontrei nos meus amigos mais próximos a liberdade para ser o "eu" que nunca pude. E pareceu-me - lá está - que fazia esse papel bem. Tive liberdade para me exprimir, para conhecer imensas pessoas interessantes e crescer com elas. Tornar-me quem sou.

Hoje, passados alguns anos, acabo por ter dúvidas se sou quem penso que sou, se cheguei a fazer alguma escolha ou se, independentemente do que faça, o que vai ficar é sempre a imagem que fica e não a intenção ou a razão por detrás.

Confuso? Lá está, devem ser ideias minhas...